História e Cultura

«O mais difícil não é ir à Arrábida, porque no Verão há carreiras de camionetas, no Inverno há em Azeitão táxis ou carroças ou jeriquinhos tão prestáveis  como os da Cacilhas de antigamente, e de Janeiro a Dezembro, para muita e muito boa gente, há duas pernas vigorosas e de boa vontade que fazem transpor a Serra pelo Vale do Picheleiro. Difícil, difícil, é entendê-la (...).»

Sebastião da Gama

 

A Serra da Arrábida

O invulgar monumento geológico que é a Serra da Arrábida, limitada pelo oceano Atlântico e pelos rios Sado e Tejo, encerra em si um património histórico, arqueológico, natural, cultural e até mágico-religioso digno de nota.

A palavra “Arrábida” é interpretada como uma derivação do termo árabe “al-râbita”, que significa “o que ata, vincula, reforça”, de que deriva por sua vez o termo “ribât”, significando estar atado, ocupar posições e estabelecer-se num lugar. Assim, as arrábidas, ou rábitas, eram pequenos mosteiros-fortaleza, ou conventos fortificados, habitados pelos morábitos (monges piedosos), que tinham uma função religiosa de retiro e aperfeiçoamento espiritual, ligada ao conceito de Jihad (Guerra Santa), associada à função de vigilância e defesa das fronteiras marítimas e terrestres do al-Andalus. Também serviam para alertar (ribât) – daqui a expressão “tocar a rebate”. No caso de ataque dos inimigos, os monges, além de lançar o alerta, deveriam integrar as forças de defesa. As arrábidas situavam-se em lugares estratégicos favorecidos pela geologia, distantes das cidades, tais como no alto das serras, elevações do terreno ou arribas costeiras.

No coração desta serra surge a enseada do Portinho da Arrábida, ocupado ininterruptamente desde a Pré-História até aos nossos dias, facto evidenciado nas suas grutas e abrigos – a Lapa de santa Margarida, a Gruta da Figueira Brava, a Gruta do Médico e a Fenda. São recantos abertos pela ação natural no ventre da Terra, e constituíram os primeiros refúgios, lugares de culto aos mortos e de retiro espiritual. Outros locais identificados com esta função são as Grutas Artificiais da Quinta do Anjo (Palmela), monumento funerário do Calcolítico; da Idade do Bronze, outro monumento funerário em Sesimbra, na Roça do casal do Meio; na alcaria do Alto da Queimada (Palmela), foi recentemente identificada uma mesquita do séc. X – XI.

Após a Reconquista, a Serra da Arrábida torna-se lugar sagrado para os Cristãos, de onde vem a lenda da Nª Senhora da Arrábida. Nesta região, a presença de várias capelas e ermidas de raiz católica, como a Capela da Escudeira, a Capela de S. Luís o Velho, a Capela do Alto da Nª senhora das necessidades, denotam os vários cultos e tradições presentes, todos eles com festividades próprias, fundamentais para a sobrevivência das tradições e das vivências locais.

Sebastião da Gama, amante da Arrábida, escreve que (…)”a religiosidade… dá à Arrábida elevação e sentido. (…) Mas é fora de dúvida que o visitante, se não o apreendeu, saiu da Arrábida sem querer ter entrado nela verdadeiramente!”